Dia 15 de Julho de 2016, como um sexta-feira normal saímos do trabalho e fomos jantar fora, em um restaurante que adoro, boa comida e bons drinks para relaxar depois de uma semana cansativa. As ruas e os restaurantes estavam cheios como em qualquer outra sexta-feira. Voltei para casa, assisti um filme e peguei no sono, mas a noite calma e o sono tranquilo não duraram muito tempo. Às 23:19 o telefone toca, o pai do meu namorado dizendo para olhar as notícias, pois tem militares nas ruas de Istanbul e Ankara falando sobre tentativa de golpe militar e falando para estocar água e fechar bem todas as portas e janelas.
Acordo em choque, confusa e sem entender nada. Os noticiários mostram tanques nas ruas de Istanbul bloqueando a passagem do lado Europeu para o lado Asiático da cidade, militares em um emissora de TV falando que estão controlando o governo pois os governantes atuais não estão seguindo as leis e estão roubando a população. Como assim do nada tudo muda e há um a tentativa de golpe militar??
10 minutos depois, enquanto estava enchendo garrafas de água, recebemos outra ligação do meu sogro dizendo “Faz uma mala agora e vem para casa de praia por que lá estaremos mais seguros”. Pega passaporte, documentos, coisas importantes, alguma roupa e sai agora. Demorei uns segundos para ter uma reação e começar a me mexer. Coloquei a primeira roupa que vi pela frente, peguei meus documentos e dinheiro, juntei muito no automático algumas coisas numa mochila, muito sem pensar no que estava colocando e saímos com um sentimento de tensão, confusão e medo do que poderia acontecer. Não sabíamos se teriam policiais ou militares na rua da cidade onde moramos (Izmir), não sabia o que poderia encontrar pelo caminho, não sabia se conseguiria chegar no nosso destino.
Na rua não havia sinal nenhum de problema, nenhum policial, nenhum militar, nenhum controle na estrada, nada de tanques ou de helicópteros. O que havia de diferente e que me fez ficar mais nervosa eram as filas enormes nos postos de gasolina, nada normal para uma madrugada de sexta-feira. E alguns dos pequenos mercados que ficam abertos 24 horas estavam cheios e as pessoas comprando muitos mantimentos e vários galões de água.
Não tivemos problemas na estrada, parecia um dia comum, e chegamos na casa de praia sem problema. Passamos a noite acompanhando as notícias e tentando entender o que estava acontecendo. Assistindo as imagens dos tanques e militares em Istanbul e Ankara, vendo o pronunciamento do presidente pedido para a população sair nas ruas e lutar contra os militares, recebemos mensagem nos celulares assinadas pelo presidente fazendo o mesmo pedido.
Depois de uma noite de conflitos, muitas mortes e militares detidos o dia amanheceu um pouco mais tranquilo. Prefiro não comentar o que penso dessa situação em redes sociais pois pode não ser muito seguro já que continuo morando aqui mas posso dizer o que senti durante essa noite: medo, insegurança, tristeza pelas vidas que foram perdidas e incerteza sobre o futuro.
Eu não passei pelo terror e pelo pavor que as pessoas que estavam em Istanbul e Ankara passaram, não vi nenhum caça nem nenhum tanque, não escutei nenhum barulho fora do normal, não me escondi com medo dos tiros. Mas sofri junto pelos amigos que estavam presos no aeroporto, que se desesperam deitados no chão de casa, que choraram com medo de não sobreviver.
Tive medo nas primeiras horas da noite mas com o passar dos acontecimentos começando a entender melhor a situação e os fatos ficamos mais calmos. E o sábado começou em silêncio por onde estava, uma mistura de luto e receio do que estaria por vir. Passei o dia conversando com minha família e amigos queridos que estavam preocupados e que agradeço mais uma vez pela preocupação.
Ao longo do dia as coisas pareciam voltar ao “normal”, algumas pessoas lamentando o acontecido, outras que já passaram por momento piores não estavam preocupadas, outras já estavam na praia curtindo o verão como se nada tivesse acontecido. E assim a vida segue. Em Izmir todo mundo já estava trabalhando normalmente.
Alguns fatos que acho relevante contar é que em nenhum momento a internet ou as redes sociais foram bloqueadas (como já aconteceram em muitos momentos na Turquia) e pelo contrário algumas operadoras ainda deram de graça pacotes de minutos, sms e internet. E pelo que me contaram no sábado e no domingo o centro da cidade está cheio de gente e de carros com bandeiras da Turquia como um feriado ou uma comemoração do fim do “golpe”.
Eu fico com o sentimento de tristeza pelas centenas de mortes e com o desejo e a esperança de dias melhores, não apenas na Turquia, mas para todo o mundo.